domingo, 4 de outubro de 2009

Exemplos de vida

Todas as noites era sagrado Marília e Pedro sentarem em um banquinho do jardim e ao som do violão e da combinação desafinada de suas vozes, ficarem lá por horas e horas. Aqueles momentos proporcionavam à eles uma espécie de purificação de todas as energias negativas que tinham adquirido com a correria do dia-a-dia. Os trabalhos lhes consumiam todas as forças e a maneira mais fácil de recuperá-las era cantando, tocando, conversando, sorrindo. No fundo, ambos aproveitavam aqueles momentos como únicos e assumiam o papel de refúgio um do outro. Desde que perderam seus pais em um acidente de carro que eles prometeram que nunca iriam abandonar um ao outro. Não eram irmãos, mas depois do falecimento de seus pais, decidiram que, independente do que acontecesse, não se abandonariam. Os pais deles eram sócios em uma fábrica de tecidos e foram vender parte das ações da fábrica à um amigo deles, que morava em Minas Gerais. Na estrada, perderam a direção do carro e caíram numa ribanceira. A morte foi imediata. O pai de Pedro ainda resistiu até o hospital, mas foi vítima de uma parada cardíaca e veio à óbito
Nenhum dos parentes de Marília e Pedro lhes ofereceu abrigo, então, eles acabaram indo morar em um orfanato chamado Renascer. As freiras do orfanato, em especial irmã Georgina e irmã Regina, tinham por eles dois um carinho enorme e tratavam-nos como seus filhos. Por duas vezes elas impediram que eles fossem adotados, porque temiam que eles não conseguissem se adaptar na nova residência com os pais adotivos.
Aos 18 anos, Pedro concluiu o curso técnico em Eletrônica e logo foi contratado por uma empresa de Cacau do sul da Bahia. No início, como quase todos os iniciantes, o seu trabalho foi alvo de muitas críticas. Nada que 6 meses de experiência na empresa não provasse a sua capacidade espetacular em lidar com a eletrônica. Amava o seu trabalho e o fazia com enorme dedicação, por isso recebeu várias premiações de melhor funcionário. Com um ano de trabalho na Cargil, ele foi promovido a um cargo administrativo e conseguiu realizar um de seus maiores sonhos: a compra da casa própria.
Marília, por sua vez, estava cursando Jornalismo e estagiando na TV Grande Rio. Sua desenvoltura diante das câmeras teve grande notabilidade e ela foi promovida ao cargo de editora do jornal. Assim como Pedro, ela procurou logo realizar um de seus maiores sonhos, que era a compra de um carro 0 km.
Ambos foram se estabilizando financeiramente e realizando os seus sonhos um a um.
O único que lhes faltava realizar era o de construir uma família. Por incrível que pareça, esse era o mais difícil, porque não dependia de dinheiro, mas de uma conquista muito maior: o amor.
Os anos passavam e eles permaneciam sozinhos. Ambos não entendiam ao certo o que os impedia de se envolver com outras pessoas, até que, na comemoração do vigésimo oitavo aniversário de Pedro, Marília resolveu declarar-lhe todo o seu amor. A princípio, Pedro não deu muita credibilidade às palavras dela, mas o decorrer do tempo fez-lhe apaixonar-se por ela. Casaram-se e tiveram 2 filhos, Ana Clara e João.
Juntos perceberam que a vida é um palco de oportunidades e que a construção de cada história se dá de forma única e livre. Entenderam que a liberdade (ocasionada pela ausência de seus pais, quando ainda eram crianças) poderia ser aproveitada tanto para proporcionar-lhes felicidades e ganhos, quanto tristezas e perdas. Quiseram que seus pais tivessem presenciado todas as conquistas alcançadas, mas ficaram confortados em saber que, onde quer que eles estivessem naquele momento, com certeza estariam felizes!

Postado por: Carina Garcia

A rua

A rua era grande, de chão de terra. Possuía pequenas casas, de arquitetura simples com cores desbotadas. Típica de lugarejo, janelas grandes e portas estreitas. Quando Miguel se mudará de cidade. Aquela era a primeira imagem que ele se lembrava, dormirá a viagem inteira. Enquanto coçava os olhos sonolentos e trincados, percebeu no fim da rua um grupo de garotos que jogavam bola. O campo era formado por traves de tijolos e chinelos velhos. O grupo de garotos com cabelos ensebados e roupa surrada possuía uma única bola que tinha um formato oval e não tinha mais cor. A maior alegria de Miguel a partir de então era chegar do colégio, jogar os sapatos de lado, colocar a farda suja no cesto e esperar o almoço contando os segundos até que sua mãe deixa-se ele sair. A tarde era curta o bastante para todas as partidas que jogavam. Todas os dias faziam a mesma coisa, até que um novo morador chegou. Um garoto franzino que se chamava Túlio, morava na casa mais bonita da rua, os pais possuíam um mercado próximo dali. O garoto era dono de um objeto que acabaria dissipando todas as atenções do grupo. Tinha uma bola novinha, de couro macio que brilhava tanto quantos os olhos dos meninos que começaram a imaginar os jogos com ela. Túlio a partir de então não era somente o dono da bola, como o dono dos jogos, esses aconteciam quando ele desejava e só jogava quem ele permitia. O grupo começará a se dividir. Quem era amigo de quem. Dias tristes para Miguel, agora não tinha mais a correria, a espera aflita para chegar em casa. A rua não era mais a mesma, bem como os jogos.
Em uma das tardes, sentados no passeio de cimento assistindo o jogo que ficaram de fora os garotos privados do seu divertimento, tentavam se distrair, corriam e chutavam a terra, foi quando Miguel chutou um objeto pequeno e pontiagudo, um prego velho e enferrujado. Uma brilhante idéia lhe ocorreu, mais tarde posicionara o prego perto dos tijolos.
No dia seguinte esperou ansiosamente pelo jogo. Fingia parecer distraído, mantinha sempre os olhos vidrados no jogo, ou melhor, na bola. Até que o momento chegou e foi bem no momento em comemoravam um gol. A bola alcançou o prego, os garotos depois dos gritos viram a bola ir perdendo forma. O jogo acabou mais cedo. E quase que um luto temporário se instalou, até os que estavam de fora sentiram a perda.
A rua ficara silenciosa aquela tarde.
Foi quando alguém surgiu com a bola antiga, largaram o luto e voltaram a passar todas as tardes como antes: descalços na rua.

Postado por: Ellen Guerra
Aquele parecia ser mais um dos tantos finais de semana na roça do avô. Todas as coisas estavam arrumadas. Colchões, lanternas, almoço e todos os utensílios necessários para aquela viajem já tão conhecida dela.
Na ida, estranhara um pouco o caminho, sempre teve a impressão que aquele lugar era enorme. Quando o asfalto acabava e a estrada de terra começava o que pareciam sítios imensos agora saltavam aos seus olhos como lugarejos pequenos e tortos. Antigamente viam-se umas poucas casinhas e plantações grandes ao redor. Hoje existiam vendas, botecos e igrejas. O pior era ter que agüentar a poeira que levantava a medida que se aproximavam. Outra coisa que ela estranhara era como todo aquele asfalto que antes existia sumira.
Quando criança aprendeu a não fica perguntando: “Mãe, já chegou?”
A mãe lhe ensinou como saber se já estava próximo. Pouco antes da entrada do sítio existia uma pedra enorme, sempre se questionará como ela havia chegado ali. Entre o curral das cabras e o pequeno cemitério da família. Ela aprendeu a diferenciar a pedra porque tinha um formato estranho e engraçado. Parecia um cachorro, um cachorro imenso na verdade.
A chegada, essa nunca mudava. O avô ficava de pé ao lado do portão velho, usava sempre umas roupas surradas e encardidas, e tinha sempre um sorriso bonito. O seu avô era uma figura miúda e meio corcunda, vivera toda sua vida naquele lugar, as únicas viagens que fazia eram quando sua mulher inventava de pagar promessas na Lapa. Iam todos andando e as mulheres nos burros. Essas viagens rendiam ótimas histórias que passará quase toda infância ouvindo. Melhor que as histórias da Lapa, eram de João Grilo, um dos tantos cordéis que ele recitava sem esquecer nenhuma rima.
O segundo habitante do lugar, era um tio seu, o único filho que não foi viver na cidade. Esse ao contrário do avô nunca estava na porta, sempre que algum carro chegava, se escondia em algum canto. Só aparecia depois de umas horas, quando todos estavam alojados. O tio tinha cabeça meio fraca. Contava histórias irreais e jurava de pés juntos que tudo aquilo acontecia ali. Quando não era o ouro vivo que mudava de lugar eram os seres que dizia morar também na roça. Mas o tio possuía uma estranha lucidez em alguns momentos, falava com precisão e tinha uma consciência de si. Ele sempre foi uma incógnita para ela.
Era o tio que a ajudava com uma das coisas favoritas daquele lugar. “Catar umbu”, entre dezembro e janeiro, época que os umbuzeiros ficavam cheios, sentava debaixo daquelas árvores velhas, que sua mãe havia dado nome e conseguia diferenciar cada uma pelo sabor. A graça era comer ali mesmo, ela sempre ficava mais tempo que todo mundo ali sentada. Em parte pela companhia do tio, outras pelo sossego mesmo. Os primos e irmãos não viam muita graça em ficar ali parados, iam para rio ou ver os bichos.
Ela que dizia sempre ser mais ligadas as pessoas que os lugares, preferia não correr atrás das “atrações”, ficava sempre por perto do avô e do tio. Aquele costume, nunca mudava com os anos.



Postado por Ellen Guerra